As portas do vagão se fecham, o trem começa a andar. Quantas vezes não era eu que estava ali, naquela mesma plataforma, com o olhar triste por ela ir passar umas semanas em casa, ou com um sorriso ansioso esperando ela descer do trem. Agora, ela ficou, eu tive que partir, mas não pro país vizinho, e não por algumas semanas, mas por muitos meses.
Quando o trem partiu, e não pude mais ver ninguém que tinha ficado na plataforma, fui procurar meu lugar. Chego na cabine, cinco adolescentes ocupam todo espaço, o lugar que sobra, claro, não é na janela. Apesar de eu ter reservado meu lugar na janela deixei o cara que dormia com a namorada ficar lá. Foram tentando puxar papo, eu falando pouco, com meu inglês terrível, eles também. Eram tchecos, estavam vindo de Praga e indo para Amsterdam. Coffe shop, red light district, maconha, drogas, e os olhos deles brilhavam. Depois de um tempo um casal some por um bom tempo, ganho uma cama. Não consigo pregar o olho, mas apesar disso, a viagem passa até rápido. Hora de trocar de trem. Quando já estou descendo, o cara que dormia com a namorada e não havia acordado em nenhum momento, vem correndo atrás de mim, e sem falar nada, me entrega meu marionete e volta para a cabine. Não aguentava mais carregar esse marionete e tive a idéia de deixar para ser o mascote deles da viagem. Não deu certo. Agora tá assustador, por ter se quebrado todo na viagem.
O segundo trem já está esperando na plataforma, pergunto qual o meu vagão, o último. Estava no primeiro, e em cinco minutos o trem iria partir. Deu tempo. Trem bem melhor, dessa vez ninguém indo pra Amsterdam, pessoas com cara de cansadas, fazendo provavelmente uma viagem de negócios. O homem que dorme na minha frente, não fecha os olhos enquanto dorme. Fiquei olhando direto nos olhos dele, sinistro.
Trem atrasa, preciso descer em outra estação e pegar outro trem pra chegar no aeroporto. Já de manhã na cidade de Mainz, vários engravatados esperam o trem para Frankfurt, trem lotado, mas consegui pegar um lugar sentado.
O aeroporto de Frankfurt é enorme, mas por sorte acho o Check-in rapidinho. Assim que faço check-in aparece um amigo meu. Não acreditava que ele ia aparecer. Aquilo foi mesmo do caralho, um grande amigo aparecer pra se despedir. Ainda tempo pra um café, se bem que idéia original era tomar uma cerveja para lembrar dos dias na cozinha de casa quando a gente decidia que não ia fazer nada nesse dia, a não ser beber. Ou então morrer de rir, com os olhos vermelhos, vendo um outro vizinho alucinado cozinhando freneticamente com uma quantidade absurda de temperos.
Mais uma despedida, como é difícil pra mim, e vou para o portão de embarque. O aeroporto de Frankfurt agora sim se mostra enorme, devo ter andado quilômetros até achar meu portão. Já no avião, última ligação, no outro lado, voz triste, fica bem, se cuida, me mande notícias, por favor. Cruzando o oceano, sempre o maldito oceano, Salvador, Recife.
12.9.10
9.9.10
Deutsch
Alemão não é mesmo um idioma fácil, demorou para me sentir realmente seguro com o idioma, se bem que na universidade... lá a coisa nunca deixou de ser feia, apesar, de sim, ter feitos enormes avanços. Mas aqui não quero falar sobre gramática alemã e muito menos sobre lingüística alemã, termos demasiado complicados. É que agora indo deitar, me lembrei de um erro que eu sempre cometia, sempre falava Ich gehe ins Bett, Ich bin ins Bett, e sempre escutava Ach! Du bist immer ins Bett, Du und dein Bett hey! O certo seria Ich bin im Bett, sendo assim dativo. E já estou eu falando de gramática...
Bom, isso eu aprendi, mas até hoje tenho problemas com o Ö. Sempre pedia um Doner, ao invés de pedir um Döner. No caso, sempre pedia uma tempestade, invés do famoso sanduíche berlinense. Uma vez pedi um köfte, pra variar, e claro, falei: Ein Kofte, bitte. O cara não entende, repito kOfte, então ele, repita comigo, Kööööfte. Sempre fui alvo de piadinhas de quem não tinha esse problema com o maldito Ö.
Também era problemático o uso dos verbos modais, no começo havia uma lista grudada na parede com todos os 5 (são 5?) e seus significados. Tinha mesmo problemas com isso, e mesmo depois que aprendi, usava muito pouco. Falava: Na, hören wir Musik? Até começar a escutar, Wat? Ich hab gar nichts verstanden... E então passar a usar o danado do modal, Naja... wollen wir Musik hören? -Na, klar!
Os maiores problemas eram os com conotação sexual, e nem eram muitos, e mesmo assim muito sutis. Um dia cheguei animado na cozinha dizendo que podia dormir na casa da mãe de uma amiga na Polônia, cheguei dizendo, Ich kann mit der Mutter von Marta schlaffen!!! E todo mundo, Waaas??? Repito, Ja, nicht gut? Ich kann mit der Mutter von Marta schlaffen! Bom, estava falando que ia dormir, no caso transar com a mãe dessa minha amiga. O certo seria falar, Ich kann bei der Mutter von Marta schlaffen! Apenas a preposição bei no lugar de mit. Já tive muito problema com esse mit, mas depois passei a usar a favor dando uma de doido. Usando o mit, vendo a reação e então cambiando ou não para o bei. Vantagens de se ter a desculpa que não fala alemão direito.
Desculpa essa que sempre usava na universidade para adiar datas de trabalho, tentar ganhar um pontinho extra por ter ali me esforçado com esse idioma acadêmico desgraçado, de não entender nada nas reuniões (porra, aí não era nem desculpa mesmo), enfim uma série de desculpas que sempre funcionaram muito bem.
É ótimo e ao mesmo tempo terrível ter que fazer tudo numa língua que não é a sua. No primeiro mês era um terror pegar o U7 com Dick (sim, esse era o nome do cidadão), da TU até Neukölln. Mas depois de aí, uma certa fluência, passei a caçar gente pra conversar, não conseguia mais parar. E depois de um bom tempo, nos aí últimos 6 meses, conversar pensando direto em alemão, errando pouca coisa, senti mesmo que tinha evoluído bastante, mas ainda sem entender muita coisa e pedindo uma tempestade no lugar de um kebap.
Bom, isso eu aprendi, mas até hoje tenho problemas com o Ö. Sempre pedia um Doner, ao invés de pedir um Döner. No caso, sempre pedia uma tempestade, invés do famoso sanduíche berlinense. Uma vez pedi um köfte, pra variar, e claro, falei: Ein Kofte, bitte. O cara não entende, repito kOfte, então ele, repita comigo, Kööööfte. Sempre fui alvo de piadinhas de quem não tinha esse problema com o maldito Ö.
Também era problemático o uso dos verbos modais, no começo havia uma lista grudada na parede com todos os 5 (são 5?) e seus significados. Tinha mesmo problemas com isso, e mesmo depois que aprendi, usava muito pouco. Falava: Na, hören wir Musik? Até começar a escutar, Wat? Ich hab gar nichts verstanden... E então passar a usar o danado do modal, Naja... wollen wir Musik hören? -Na, klar!
Os maiores problemas eram os com conotação sexual, e nem eram muitos, e mesmo assim muito sutis. Um dia cheguei animado na cozinha dizendo que podia dormir na casa da mãe de uma amiga na Polônia, cheguei dizendo, Ich kann mit der Mutter von Marta schlaffen!!! E todo mundo, Waaas??? Repito, Ja, nicht gut? Ich kann mit der Mutter von Marta schlaffen! Bom, estava falando que ia dormir, no caso transar com a mãe dessa minha amiga. O certo seria falar, Ich kann bei der Mutter von Marta schlaffen! Apenas a preposição bei no lugar de mit. Já tive muito problema com esse mit, mas depois passei a usar a favor dando uma de doido. Usando o mit, vendo a reação e então cambiando ou não para o bei. Vantagens de se ter a desculpa que não fala alemão direito.
Desculpa essa que sempre usava na universidade para adiar datas de trabalho, tentar ganhar um pontinho extra por ter ali me esforçado com esse idioma acadêmico desgraçado, de não entender nada nas reuniões (porra, aí não era nem desculpa mesmo), enfim uma série de desculpas que sempre funcionaram muito bem.
É ótimo e ao mesmo tempo terrível ter que fazer tudo numa língua que não é a sua. No primeiro mês era um terror pegar o U7 com Dick (sim, esse era o nome do cidadão), da TU até Neukölln. Mas depois de aí, uma certa fluência, passei a caçar gente pra conversar, não conseguia mais parar. E depois de um bom tempo, nos aí últimos 6 meses, conversar pensando direto em alemão, errando pouca coisa, senti mesmo que tinha evoluído bastante, mas ainda sem entender muita coisa e pedindo uma tempestade no lugar de um kebap.
1.9.10
Enjaulado
Uma semana, uma semana separa o dia que cheguei de volta ao Recife do post de hoje. Uma semana, como no post anterior que dizia faltar uma semana pra deixar Berlim.
Quando, em Berlim, fecharam a porta daquele vagão do trem que vinha da Varsóvia, me senti como que numa máquina do tempo. Naquele momento começaria uma viagem no tempo, uma viagem de volta ao passado. Olhar nos olhos das pessoas que ficaram na estação principal de Berlim, que permaneceram no futuro, olhar nos olhos dessas pessoas, tão queridas, pela última vez dentro de muito tempo. Os meus olhos eram só lágrimas e a unica coisa que me fazia parar, era pensar decidido que eu irei voltar. E a vontade de desistir desse trem não faltou, desistir de tudo, viver de qualquer coisa em Berlim, só pra estar ali, só pra se estar com quem se quer. Mas faltou coragem para se entregar a essa vontade, sempre com o pensamento da volta, mesmo sabendo que nada será como antes, uma viagem ao futuro é bem mais incerta do que uma viagem ao passado. Mas se estivesse permanecido, as coisas continuariam como antes? As coisas sempre mudam, não tem como fugir disso.
Uma semana em Recife, uma semana de volta ao caos, de usar cinco chaves para entrar em casa e se sentir "seguro", enjaulado, de volta ao passado, enjaulado no passado. Mas se o futuro está logo ali, pra que ficar preso no passado?
O blog continua por um tempo, até eu achar que não tem mais nada pra escrever sobre Berlim, ou até eu ver que chegou a hora de parar. Fui percebendo que muita gente acompanha o que escrevo por aqui, muitas pessoas que nem conheço. Apesar de ter me assustado um pouco com isso, pois o que escrevo é por vezes super pessoal, achei isso muito bom.
Quando, em Berlim, fecharam a porta daquele vagão do trem que vinha da Varsóvia, me senti como que numa máquina do tempo. Naquele momento começaria uma viagem no tempo, uma viagem de volta ao passado. Olhar nos olhos das pessoas que ficaram na estação principal de Berlim, que permaneceram no futuro, olhar nos olhos dessas pessoas, tão queridas, pela última vez dentro de muito tempo. Os meus olhos eram só lágrimas e a unica coisa que me fazia parar, era pensar decidido que eu irei voltar. E a vontade de desistir desse trem não faltou, desistir de tudo, viver de qualquer coisa em Berlim, só pra estar ali, só pra se estar com quem se quer. Mas faltou coragem para se entregar a essa vontade, sempre com o pensamento da volta, mesmo sabendo que nada será como antes, uma viagem ao futuro é bem mais incerta do que uma viagem ao passado. Mas se estivesse permanecido, as coisas continuariam como antes? As coisas sempre mudam, não tem como fugir disso.
Uma semana em Recife, uma semana de volta ao caos, de usar cinco chaves para entrar em casa e se sentir "seguro", enjaulado, de volta ao passado, enjaulado no passado. Mas se o futuro está logo ali, pra que ficar preso no passado?
O blog continua por um tempo, até eu achar que não tem mais nada pra escrever sobre Berlim, ou até eu ver que chegou a hora de parar. Fui percebendo que muita gente acompanha o que escrevo por aqui, muitas pessoas que nem conheço. Apesar de ter me assustado um pouco com isso, pois o que escrevo é por vezes super pessoal, achei isso muito bom.
Assinar:
Postagens (Atom)