10.1.10

A neve chega no meio da canela...

Assim cantaria Chico Science se tivesse de andada feito caranguejo por Berlim.

Fui hoje comprar minha câmera (sim finalmente comprei uma slr, uma Nikon D3000, possível graças ao meu trampo de papai noel na véspera de natal. Sim, eu fui o papai noel.), peguei a bicicleta que havia outro dia achado embaixo do prédio, ao lado da minha outra que havia sido presente de um amigo, o cadeado teimava em não sair, estava congelado. Temperatura negativa, vento fortíssimo, mas mesmo assim, bike! Trem atrasado por conta da neve. Vou para fora de Berlim para comprar um tênis que preste antes que perca os dedos dos pés. Elstal, extremo oeste, antiga RDA. O trem pára na estação, mas é pra descer? A neve encombre tudo, não é possível descer. Mas o funcionário do trem (que havia falado berlinense o caminho todo e eu só fui perceber depois de uns 10 minutos o que ele falava) falou que era pra gente descer. Eu e mais dois coreanos, ou japoneses, ou vietnamitas, enfim pessoas dos olhos puxados, ficamos parados, pensando se era mesmo possível sair do trem. Saímos, a neve chegava no meio da canela, a bicicleta queria ficar pelo caminho, os pés congelavam. Saindo da estação, monto na magrela. Uma das coisas mais divertidas é pedalar na neve, uma mistura de lama com areia fofa, não escorrega tanto como eu pensava, mas não invente de puxar o freio da frente numa ladeira, senão é queda na certa. Aprendi isso muito bem aprendido numa queda em ladeira de pedras em algum lugar da Zona da Mata pernambucana, quatro pontos no braço. Chegando no Outlet Berlin, centro de lojas de fábrica com super descontos, deixo a magrela do lado de fora. Vou na Nike, Adidas e Puma. Na Nike não consta uma só palavra em alemão, somente inglês. Orgulho de ser americana, realmente admirável. Me decido por uma Adidas de couro, bom pra neve, 26 euros. Ainda falta uma hora pro próximo trem, então vou comer algo. Só vejo o símbolo da McDonalds brilhando à minha frente. Parece que compras pede um BigMac ou coisa parecida depois para se comemorar. Coisa engraçada esse consumo compulsivo. O capitalismo é mesmo engraçado. Nenhum turco vendendo dönner, nenhum libanês vendendo scharwma, nenhum chinês vendendo macarrão na caixinha. Que merda, vou almoçar um McLancheFeliz. Se é pra ir lá, que se vá de vez. Desde que moro aqui não tinha ido em algo do tipo, só em Londres e Amsterdam onde é mais barato que turcos, libaneses e chineses. Peço então um BigTastyBacon com batatas. Tomo um litro de Coca-Cola, e depois de observar as pessoas comendo e conversando, brincar com um Labrador que tava do meu lado, parto. Cadeado não quer sair, congelado, claro. Depois de dez minutos numa espécie de masturbação para desgrudar as duas partes do cadeado, consigo soltá-las. Quase um orgasmo. Estou atrasado para pegar o trem, passará em menos de 10 minutos. O percursso de bicicleta se faz em cerca de 12. Corro como um louco, subindo ladeira na marcha pesada, descendo ladeira sem freiar. Quando ponho o pé na plataforma, o trem pára. Do caralho! Entro, me esquento, mando mensagem dizendo que em uma hora estou na Neue Nationalgalerie pra ver Miró, Picasso, Magrite e Dalí. Uhu! Duas estações depois, um comunidado de cinco minutos avisa que devido a neve, o trem não pode prosseguir. Sem problema, estou com O Verde Violentou o Muro na bolsa, Ignácio tá virando um brother já! Um casal está na minha frente, o homem se desespera, diz ter uma coisa importantíssima, que não pode de maneira alguma se atrasar, a mulher tenta acalmá-lo, ele se impacienta mais, a mulher se irrita, ele vai na frente falar com o maquinista e volta um pouco mais conformado. Os dois estão com a camisa do Depeche Mode, lembro que o show é hoje! Pergunto de que horas é o show, falam que daqui a duas horas, então vocês conseguem, digo. Eu particularmente ficaria no mesmo estado do homem se algo do tipo acontecesse antes de um show que quisesse muito ver. Na verdade ocorreram várias coisas antes do show de Massive Attack, quase perco o show. Um senhor chega e senta, uma funcionária da DB (companhia de trem alemã) aparece, todos começam a reclamar, descobre-se que existe ônibus logo em cima. Ninguém havia nos avisado. Continua a nevar de maneira assustadora, a neve encombre tudo. Mais quinze minutos pro ônibus. Ela me liga, digo que não consigo chegar a tempo no museu, ela diz - de novo!! Mas, mais uma vez, não é minha culpa. Não me odeie tanto, vamos amanhã? O senhor que havia aparecido no trem começa a falar da história do lugar onde estamos - em Berlim qualquer coisa tem história. Estamos numa ponte, de um lado foi a RDA, do outro a RFA, estamos no extremo oeste da parte ocidental, já na outra divisa com a Alemanha Oriental. Ele fala bastante sobre a estação, mas não entendo muita coisa, sotaque de Berlim é difícil de entender e eu não queria interrope-lo. O ônibus chega, o motorista fala que não posso entrar com a bicicleta, falo que a culpa toda é da BVG (sistema de transporte de Berlim), e depois de todos argumentarem a meu favor e contra a BVG, ele me deixa entrar com a magrela. Sento, descanso, falo sobre shows com o casal e maneiras de vê-los de graça em Berlim. Fico surpreso e agredecido com mais informações preciosas. Chego na estação do trem subterrâneo, me despeço. A neve continua. Chego em casa, só quero um café. Digo: hoje fico em casa, durmo cedo e amanhã eu estudo. Depois de três cafés, já mudo de idéia completamente. Hoje é dia de Balkanbeats!! Uma das melhores coisas que existem em Berlim, e só acontece uma vez por mês. Gasto todo meu dinheiro, ainda não sei como, pois não estou nem bêbado. Sobram ainda 3 euros para um dönner, mas deixo pro Museu. Agora em casa, só preciso escrever pra dormir. Comer algo fica pra manhã, um café com tiramisu me espera no café da manhã.

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